Como vai ser, Portugal?
Vasco Campilho
Vasco Campilho
Esta é a história da família Gomes. Classe média, apartamento suburbano, dois filhos. Durante uns anos, uns bons anos, por via da progressão profissional do pai e da mãe, essa família aumentou o seu rendimento, e concomitantemente o seu nível de vida. Mas a certa altura, os Gomes pararam de progredir economicamente – uma promoção que não veio para o pai, um aumento adiado para a mãe. O seu nível de vida, porém, continuou a aumentar. Primeiro ao mesmo ritmo, depois mais lentamente, mas mesmo assim a aumentar. Milagres dos juros baixos e do crédito ao consumo.
A dada altura, porém, sobrevém uma crise económica. A mãe vai para o desemprego, e apenas volta a conseguir empregos precários e mal pagos. As prestações da dívida aumentam. O sufoco é iminente. O que fazer, interrogam-se os Gomes? Certa noite, reúnem-se em torno da mesa e consideram as opções disponíveis. O pai diz que pode falar com o banco para reestruturar a dívida: junta-se o carro à casa, inclui-se o cartão de crédito também, e embora o custo global da dívida aumente sempre se consegue baixar o encargo mensal das prestações. Mas contas feitas, não chega para reequilibrar a situação.
A mãe propõe então que se corte nos gastos. Fazer compras do mês em vez de ir comprando é mais económico. Roupas? Só nos saldos. Férias? Este ano não. Mas isso chega? Não chega. É preciso ir mais fundo. Se calhar o segundo carro é para vender. É certo que já não vale nada, mas a despesa que implica é incomportável. Se calhar o aparelho dentário da miúda fica para o ano. Podes viver mais um anito com os dentes tortos não podes, meu amor? As mesadas vão ser congeladas. Ou mesmo reduzidas. A mãe detesta sacrificar assim os seus filhos, mas tem de o fazer justamente para não ser obrigada a tocar em certas coisas que considera essenciais. A ajuda que dá todos os meses à avó para medicamentos. O seguro de saúde para toda a família. As despesas da escola dos filhos. A comida na mesa.
A situação, porém, mantém-se periclitante. O filho mais velho, até essa noite um pouco despreocupado, faz um ar grave e anuncia: vou ver se me emprego num fast-food das redondezas. Só umas horitas. Não atrapalha a escola, e é da forma que não têm que me dar mesada. O pai não gosta da ideia, preferiria que o filho se concentrasse nos estudos, mas a mãe convence-o: se o rapaz quer ajudar, deixa-o ajudar. Antes isso que meter-se em sarilhos. Inspirada pelo exemplo do irmão, a filha mais nova – que não tem idade para trabalhar – propõe aplicar umas ideias que tem aprendido na escola para poupar energia e preservar o ambiente. É da forma que também se poupa um dinheirinho.
Os Gomes podem agora respirar fundo. Vêm aí tempos difíceis, mas sabem o que fazer para os enfrentar e ultrapassar. Sabem que vão ter de renunciar a muito, mas conseguiram salvaguardar o essencial, sem pôr em causa o futuro. E agora que encararam de frente os problemas que tinham, em conjunto, sentem que aquele mau ambiente que se vivia em casa se dissipou: uma nova confiança, uma nova cumplicidade reina na família Gomes.
Portugal encontra-se numa situação muito semelhante à da família Gomes. Infelizmente, ainda não nos sentámos à mesa para considerar friamente as opções disponíveis. E a cada dia que passa, as opções que restam são mais duras, mais difíceis de aplicar. E o mais provável é que, tal como os Gomes, não possamos escolher as que mais nos agradam. Teremos mesmo de as aplicar todas: reestruturar a dívida externa, reduzir o consumo interno, trabalhar e exportar mais. Mas há duas formas de o fazer: sentando-nos à mesa e planeando em conjunto a forma como vamos sair da crise, como fizeram os Gomes, ou barafustando sem nos entendermos até que os nossos credores nos obriguem a tomar medidas. Caso em que não nos será permitido sequer tentar salvaguardar o essencial. Como é que vai ser, Portugal?
in: http://www.institutosacarneiro.pt/?idc=509&idi=3114
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