sexta-feira, 23 de abril de 2010

25 de Abril - Olhares


Neste que vai ser o último post antes das comemorações do 36º aniversário do 25 de Abril de 1974, pedi a 2 amigos meus para partilharem comigo a sua visão sobre o 25 Abril.
Tratam-se de 2 apontamentos de pessoas com idades diferentes dos concelhos de Anadia e Águeda que tem perspectivas de análise deste assunto diferentes, posso até dizer, com toda a certeza, que o seu posicionamento político não é o mesmo, mas no fim as conclusões são as mesmas.
A mim e perante estas partilhas, resta-me dar o meu modesto contributo, criando aqui um espaço onde os olhares de 3 pessoas de concelhos diferentes nas casas dos 50, 40 e 30 anos se dignaram de apresentar os seus olhares sobre o 25 de Abril.






José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Residente no Município de Anadia
Nascido a 18 de Abril de 1969



O dia 25 de Abril de 1974 trata-se de uma data maior da nossa História, que assinala uma conquista fundamental para a nossa vida colectiva.
Neste sentido, comemorar a Revolução dos Cravos deve ser, na minha óptica, uma oportunidade para reflectir serenamente sobre as nossas instituições democráticas e sobre o nosso país, perspectivando o futuro e reforçando as expectativas em relação àquilo que queremos para nós, para a nossa terra, para a nossa região, para Portugal.
Já o disse várias vezes, mas a cada dia que passa, mais me convenço que Portugal tem um grave problema de qualidade de democracia. Mais do que nunca, é necessário aproximar governantes e governados, descentralizar, revigorar o poder local, dar confiança às instituições, e devolver prestígio à política e aos políticos.
Não podemos ignorar os graves problemas com que o nosso país se defronta. A justiça não funciona, o sistema de saúde degrada-se, a pobreza, o desemprego e a exclusão social crescem, e existem situações de vida dolorosas para um número crescente de Portugueses.
A Revolução semeou grandes esperanças, mas a verdade é que, actualmente, os portugueses estão decepcionados e sentem muitas frustrações.
O 25 de Abril valeu a pena, mas muitos dos ideais e princípios da Revolução ainda estão por cumprir.



Sérgio Manuel Ferreira da Cruz
Residente no Município de Águeda
Nascido a 24 de Maio 1955



No dia 25 de Abril de 1974, com 19 anos, estava a estudar no Porto. Nesse dia só fui à aula das dez, não sei se por horário se por gazeta. Quando cheguei ao Instituto, na Rua de Entreparedes, havia qualquer coisa de diferente no burburinho: Há um golpe de Estado, as rádios só dão música clássica e parece que já houve um comunicado. Os jornais da manhã não traziam nada sobre o assunto.
Há aulas, não há aulas, o professor vem, não vem. Bem, não sei se houve algumas aulas, eu e alguns fomos para a rua tentar perceber alguma coisa do que se passava.
Com cuidado, tentando ser discretos, a falar baixo, quase tateando o empedrado, dava-se atenção a todos os movimentos. Aparentemente estava tudo normal mas percebia-se que andavam todos ao mesmo. Pequenos grupos, os mesmos cuidados e desconfianças. Os que passavam tentavam perceber as conversas, discretamente primeiro mas, depois, lá se iam chegando, atrevendo-se mesmo a algumas perguntas. Era tudo muito incerto. E lá chegou o meio-dia e foi-se almoçar.
À tarde a polícia começou a desaparecer, mais gente nas ruas, lentamente primeiro mas, depois, com a saída dos empregos, as ruas ficaram cheias. Parecia que ninguém queria regressar a casa, os temores da manhã estavam a desaparecer.
Ao anoitecer sai uma edição especial do Jornal de Notícias. A informação era pouca: a capa e as duas primeiras páginas. Lá vinha o primeiro e o segundo comunicados do Movimento das Forças Armadas – este nome havia de perdurar vários anos e gerar tantos ódios e paixões.
Pouco mais trazia, o resto era a edição da manhã. Penso que nem sequer uma foto relativa aos acontecimentos. Mas o simples facto de ter saído uma edição especial de um jornal, só para “confirmar” que havia um golpe de estado em marcha, era qualquer coisa de inusitado, estranho.
Eu nunca tinha visto uma edição especial de um jornal (e não me lembro de ter voltado a ver)!
E as pessoas sentiram-no, ganharam confiança, perderam os temores. Os passos e as palavras ganharam firmeza. Era cada vez mais e mais gente nas ruas, de um lado para o outro. Queriam “assistir”!
A polícia desapareceu, não sem antes alguns serem atacados e despojados de alguns “adereços”, que se viam aqui e ali, agitados como troféus – casacos, cacetetes, bonés. Dizia-se que também algumas armas. Mas isso eu não vi.
O temor, como que por magia, transformara-se em alegria. E euforia. Não me lembro de ter jantado, como a maioria. A fome era coisa secundária, esquecida, outras “necessidades” tinham-na ofuscado.
Pela meia-noite chegaram os primeiros soldados aos Aliados, vinham de Lamego. E aí veio o júbilo.
Lá pelas três da manhã – coisa rara, ao tempo – abandonámos a “festa” e regressámos a casa.
Pelo caminho, apesar daquele aperto no peito e do maxilar que teimava em tremer, talvez pelo frio da noite, sentíamo-nos mais fortes, confiantes. Mas era uma sensação estranha, como se não coubéssemos no nosso corpo! Tantas incertezas!
Mas já havia uma certeza: o “nosso mundo” nunca mais seria o mesmo.
E não foi fácil adormecer, naquela noite, os ruídos na rua eram diferentes!







Luís Sérgio da Silva Pelicano
Residente no Município de Oliveira do Bairro
Nascido a 20 de Junho de 1975


Para mim o 25 Abril, são imagens, são filmes, são comemorações.
Nasci em 75 e daí não conhecer na pele outro regime senão a Democracia.
Do anterior, só conheço os relatos de opressão, de pobreza, repressão e MEDO.
Nasci no Verão quente de 1975, altura do PREC.
São tudo relatos e histórias que vou conhecendo sobre o 25 de Abril.
Hoje vejo, que muita gente se queixa como estamos, como vivemos, como somos educados.
Não quero de forma alguma que pensem que me resignei a esta situação de estagnação, mas daí a ouvir como às vezes ouço “O Salazar faz cá tanta falta”. Isso não.
Uma das memórias que me foi contada pelo meu pai e que para mim espelha as dificuldades desses tempos, vou hoje partilha-la convosco.
O meu pai com os seus 6/7 anos, foi a casa de um Srs. ricos com o meu Bisavô. Viviam-se momentos difíceis e nessa casa comiam-se nesse momento uns bolos.
O meu Pai olhava para eles com um ar guloso de quem se calhar, digo eu, nunca havia comido tal coisa. A Dona de casa ao se aperceber deste cenário perguntou-lhe:
“Queres bolinhos Luizinho? Ao que ele prontamente sem hesitar respondeu, “Não Sra.” abanando a cabeça de braço estendido e mão aberta.
Ele querer queria, mas a educação era para não pedir nada.
Hoje os meus filhos, por vezes, nem dizem bom dia ou boa tarde aos avós, as primeiras palavras são “Quero uma bolacha?”
Antes do 25 Abril também era assim, muita gente queria de mão estendida mas abanado a cabeça a liberdade, hoje a liberdade não é saboreada é simplesmente liberdade.
Compreendo quando se diz que a qualidade da democracia é insatisfatória.
Mas não será que tudo isto acontece porque os Políticos, as Instituições, os Organismos e todos nós, nos esquecemos de saborear a Liberdade?

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